quarta-feira, maio 30, 2007

Ferreira de Castro e Roberto Nobre - A Epopeia do Trabalho

“Os Escritores”

São os escritores os argonautas de todos os mares convulsos da alma e os aeronautas de todos os céus tranquilos da Beleza.Eles são como espelhos onde a tragédia procura alinhar a sua cabeleira desgrenhada e as suas penas são como termómetros que marcam todos os graus da dor humana. E adentro da Vida os escritores são maiores do que o mito de deus, poque eles não só desvendam a alma do Homem, como criam à margem da vida um homem mais perfeito do que aquele que a lenda afirma ter deus criado.”

In “A Epopeia do Trabalho”, “Os Escritores”

Do «Pórtico» de A LÃ E A NEVE (1947), Ferreira de Castro

[...]
No começo do Verão, antes de demandar os altos da serra, ovelhas e carneiros deixavam, em poder dos donos, a sua capa de Inverno. E começava a tecelagem. O homem movia, com os pés, a tosca construção de madeira, enquanto as suas mãos iam operando o milagre de transformar a grosseira matéria em forte tecido. Constituía o acto uma indústria doméstica, que cada qual exercia em seu proveito, pois a serra não dava, nessas recuadas eras, mais do que lã e centeio.
[...]
Um dia, tudo se revolucionou. Já não se tratava de melhores debuxos, de mais gratas cores, mas de coisa mais profunda -- da produção automática. Lá nas nevoentas terras inglesas o padre Cartwright inventara o tear mecânico. A água fazendo girar grandes rodas, começara a produzir o movimento dado, até aí, pelos pés do homem. Mas continuam a ser precisos os homens junto das novas máquinas.
[...]
Os homens passavam os dias e as noites dentro das fábricas só saindo aos domingos, para esquecer o cárcere. Já não viam as ovelhas, nem ouviam os melancólicos tanger dos seus chocalhos nos pendores da serra, ao crepúsculo; viam apenas a sua lã, lã que eles desensugavam, cardavam, penteavam, fiavam e teciam, lã por toda a parte.
[...] No século XX, mais do que sons de flautas pastoris descendo do alto da serra para os vales, subiam dos vales para o alto da serra queixumes, protestos, rumores dos homens que, às vezes, se uniam e reivindicavam um pouco mais de pão.
A Lã e a Neve, 15.ª edição, Lisboa, Guimarães Editores, 1990.

A resposta do GAVE...

O Gabinete de Avaliação Educacional justificou hoje a ausência de penalização de erros ortográficos na parte das provas de aferição dedicada à interpretação de texto com a necessidade de se "avaliar separadamente diferentes competências" da língua e "traçar estratégias distintas".
Em declarações à agência Lusa, o director do Gabinete de Avaliação Educacional, Carlos Pinto Ferreira, explicou que a prova de Língua Portuguesa dos 4º e 6º anos testa a compreensão de texto, o conhecimento da língua e a expressão escrita, competências avaliadas em separado para permitir aos serviços da tutela identificar as lacunas dos alunos em cada uma."Não faz sentido penalizar a incorrecção ortográfica na primeira parte, quando o que se pretende perceber é se o aluno compreendeu ou não o texto. Se uma dessas perguntas tiver zero porque tem um erro não conseguimos avaliar se o aluno percebeu o texto", disse o responsável, adiantando que, "obviamente", os erros ortográficos, a incorrecção gramatical e a má construção frásica são avaliados e penalizados nas restantes partes da prova.Segundo Carlos Pinto Ferreira, trata-se de "uma técnica de avaliação" que permitirá ao Ministério da Educação elaborar relatórios para cada escola, nos quais serão identificadas as principais dificuldades dos alunos em cada uma das competências e delineadas estratégias diferentes para as combater. "Com esta técnica, poderemos vir a concluir que os alunos percebem os textos e a competência de interpretação está a ser bem adquirida, mas que há lacunas graves ao nível da escrita", exemplificou, lembrando que o objectivo das provas de aferição não é avaliar os alunos mas fazer um diagnóstico do sistema de ensino. O "Diário de Notícias" noticia hoje que "os erros de ortografia não contam para a avaliação", escrevendo que "erros de construção frásica, grafia ou de uso de convenções não são para descontar" nas referidas provas, informação entretanto desmentida "liminarmente" pelo Ministério da Educação.Cerca de 250 mil alunos dos 4º e 6º anos realizaram na semana passada provas de aferição a Língua Portuguesa e a Matemática, sendo os resultados, pela primeira vez, devolvidos às escolas e afixados em pauta, a 21 de Junho.Os serviços do Ministério da Educação entregarão em Outubro 30 mil relatórios por turma e por escola, a partir dos quais serão definidos planos de acção com medidas para melhorar o desempenho a Língua Portuguesa e a Matemática.

terça-feira, maio 29, 2007

Uma Blogantologia X - Luís de Camões (1524?-1580)

Oh! como se me alonga, de ano em ano

Oh! como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece,
da vista se me perde e da esperança.

Luís de Camões

Alexandre O`Neill (1924-1986)


Uma Blogantologia IX - Alexandre O`Neill

Adeus Português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser
que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


Alexandre O'Neill

Retirado do Bibliotequices...

De castigo na biblioteca

Em tempos era moda mandar os meninos mal comportados para a biblioteca. Uma situação inadequada e inútil quer para o aluno, quer para as actividades e objectivos da biblioteca, associando a biblioteca a algo de desagradável.É uma opção que ainda não foi erradicada e ainda é utilizada como forma de alguns professores "aliviarem os problemas" da sala de aula, esperando-se que na biblioteca esteja lá alguém para "acompanhar" o aluno.Algumas escolas ainda falam num ideal "plano de compensação" a executar na biblioteca pelo aluno "convidado a sair" da sala de aula, mas é algo pouco exequível em casos de alunos expulsos da sala de aula e no meio de momentos de maior exaltação das partes.É ainda óbvio que ninguém faz um plano alternativo de trabalho em segundos! Por essas e por outras até há quem prefira ir para a biblioteca do que ficar na sala de aula, onde até pode ter prioridade na utilização dos computadores: um prémio afinal!Mas o assunto de hoje não são os castigos na biblioteca a alunos mas sim a professores! Não propriamente a castigos reais mas à forma como se percepciona o trabalho na biblioteca pelo público.Pelo menos a advogada do professor António Charrua (no centro da polémica do momento na DREN) parece achar que a biblioteca é um local de castigo para professores:
« O professor recorreu para o Tribunal Administrativo do Porto. E 12 dias depois foi notificado de que tinha sido "autorizada a cessação da sua requisição da DREN". Charrua regressou à Escola Carolina Michäelis (Porto), onde foi colocado na biblioteca. "É uma maneira de punir. Uma forma encapotada de processo disciplinar", diz a advogada Elisabete Fernandes, admitindo impugnar a cessação da requisição» http://jn.sapo.pt/2007/05/22/primeiro_plano/piada_a_socrates_igual_a_anedota_dem.html